Elogio ao Pará

Só vendo...
ZUENIR VENTURA

Acostumados com o clichê preconceituoso que acredita não haver vida
inteligente fora do eixo Rio-São Paulo, nos surpreendemos quando
encontramos alguma atividade cultural em cidades do chamado
"interior" ? o "centro" somos nós, claro. Por exemplo: onde é
possível reunir cerca de 650 mil pessoas, um terço dos moradores,
para tratar de um assunto meio fora de moda, a leitura. Pois acabo
de ver o fenômeno em Belém, na XIV Feira Pan-Amazônica do Livro, um
dos três principais eventos do gênero no Brasil, este ano dedicada à
África de fala portuguesa. Houve shows com Gilberto Gil, Lenine,
Emílio Santiago, Luiza Possi, mas o destaque foram os R$30 milhões
faturados com a venda de 500 mil volumes, superando, segundo os
organizadores, a Bienal do Rio.
Há cidades brasileiras que só vendo. A capital do Pará é uma delas. Além de ser uma das mais hospitaleiras do país, gosta de seu passado
e é hoje um exemplo de como revitalizá-lo. Já escrevi e repito que a
intervenção que o arquiteto Paulo Chaves fez no cais da cidade,
transformando armazéns e galpões na monumental Estação das Docas, é
uma obra que não deve nada à que foi realizada em Barcelona ou Nova
York (o prefeito Eduardo Paes devia ir lá ver). Outro genial exemplo
de reaproveitamento é o centro onde se realiza a Feira, o Hangar, um
gigantesco espaço que antes, como diz o nome, servia de
estacionamento para aviões.
E não fica nisso. Há roteiros culturais como o do núcleo Feliz
Lusitânia e seu Museu de Arte Sacra, onde se encontram uma Pietá
toda em madeira, o São Sebastião de cabelos ondulados e a famosa N. S. do Leite, com o seio esquerdo à mostra dando de mamar. Sem falar
nos museus do Encontro e de Gemas do Pará, e numa ida a Icoaraci
para ver as cerâmicas marajoara, tapajônica e rupestre.
Para quem gosta de experiências antropológicas, recomenda-se "além
dos 48 sabores regionais, a maioria, do sorvete Cairu" uma manhã no
mercado Ver-o-Peso, onde me delicio nas barracas de banhos de cheiro
lendo os rótulos: "Pega não me larga", "Amansa corno", "Afasta
espírito", "Chora nos meus pés". Com destaque para o patchuli, que a
vendedora me diz ser o odor de Belém. Mas antes deve-se passar pela
área dos peixes: douradas, sardas, tucunarés, enchovas, piranhas,
tará-açus. "Esse aqui é o piramutaba", vai me mostrando o nosso
guia, o cronista Denis Cavalcanti; "aquele é o mapará, olha o
tamanho desse filhote". Desta vez, o ponto alto da visita foi uma respeitável velhinha fazendo o comercial do Viagra Amazônico para mim e o Luis Fernando Verissimo: "O sr. dá três sem tirar, e depois ainda toca uma
punhetinha". Isso com a cara mais séria do mundo, sem qualquer
malícia, como se estivesse receitando um remédio pra dor de cabeça.
Só vendo.

Publicado no Globo de 08/09/2010

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